Este artigo foi
extraído da Pesquisa desenvolvida pela Designer de Interiores Jane Alves, que
está especializando-se em Iluminação de Interiores. Trata-se de um levantamento
da memória social para identificar a importância da iluminação
artificial, ou da ausência dela, na vida das pessoas e da sociedade; além
de tentar entender a cronologia das
transformações de comportamento desde a época em que não tínhamos a energia
elétrica até os dias de hoje.
ILUMINAÇÃO ONTEM E HOJE
“Nascida em família humilde e
criada na roça, a sra. Olga , que nasceu em 1934, cresceu em uma região e época
onde nem sua casa, nem a de seus vizinhos dispunham de energia elétrica.
Naquela época a mentalidade das pessoas também era outra. Muitos pais não
achavam importante que seus filhos estudassem, preferiam que trabalhassem para
ajudar no sustento da família, com restrição ainda mais forte às meninas, que
além de ajudar muitas vezes na roça, tinham que ajudar na manutenção dos
afazeres domésticos. Seus pais prezavam que aprendessem a passar, cozinhar,
costurar para que pudessem, no futuro ser boas esposas e donas de casa.
Na casa onde viviam, à noite, a
iluminação era feita basicamente de lampeão à querosene, feito de folhas de
flandre (as folhas que também produziam as latas de óleo) e velas feitas de
cera de abelhas.
Apesar do cheiro forte do
querosene, dona Olga não se queixa da iluminação. Afirma que todas as
atividades cotidianas poderiam ser realizadas, inclusive festas e “bailes”, que
animavam as noites no interior, iluminadas pelo bom e velho lampeão.
A entrevistada também, relembra
saudosa a época em que, e ao cair da noite as famílias se reuniam para longas conversas, frequentemente visitavam seus amigos e
vizinhos, e ainda podiam descansar mais cedo.
Em sua opinião,
a energia elétrica é muito cara, e mesmo tendo trazido benefícios e permitido melhorias para a vida de “algumas
pessoas” pessoas, trouxe um grande malefício: fez com que muitos se tornassem
dependentes de computador, TV, e já não sobra tempo para o diálogo dentro das
famílias, já não sobra tempo para simplesmente ficarem juntos.”
É impossível
negar que a energia elétrica mudou a vida das pessoas. Sua invenção,
aperfeiçoamento, e difusão nos trouxe
avanços incomensuráveis; e com ela, a iluminação nos permitiu novos horários de
trabalho, estudo, vida social, ou seja, nos mostrou uma nova visão do mundo.
Quem não se
sente confortável em estar reunido com a família para uma confraternização independentemente do
horário, e poder ver claramente a o rosto das pessoas, as cores e sombras? Não
é bom ter um momento de leitura em seu quarto antes de dormir? Ou quem não se
sente mais seguro em caminhar pelas ruas da cidade à noite com uma boa
iluminação pública?
Poder trabalhar
e estudar em horários noturnos; realizar serviços domésticos a qualquer hora;
executar atividades minuciosas com maior precisão; andar pelas ruas da cidade,
pelos shoppings à noite; jantar fora; comemorar seu aniversário em um “pub”, ser
atendido em hospitais que funcionam a noite toda; malhar na academia, enfim, a
iluminação realmente nos abriu um leque de possibilidades e garantiu que nossos
dias tivessem merecidas 24 horas.
Que a
iluminação nos trouxe grandes vantagens,
isso ninguém pode negar, nem mesmo nossos entrevistados mas, por outro lado,
levantou em nossa sociedade uma séria questão à ser repensada: a saúde dos
relacionamentos.
Todos os participantes
da pesquisa afirmaram nutrir um relacionamento mais saudável com familiares,
parentes e amigos antes da chegada da luz elétrica. Como ao anoitecer todas as casas ficavam no
escuro, e não tinham principalmente a Televisão, as famílias aproveitavam para
reunir-se e conversar diante de um fogueira, um fogão à lenha, um lampeão, ou
simplesmente sob a luz do luar. Tinha-se
mais diálogo, admirava-se mais a natureza, visitava-se mais os amigos e
vivia-se com mais simplicidade e intensidade.
Mas a energia elétrica trouxe, juntamente com a iluminação eficaz e
permanente, outros avanços que fizeram o ideal de “família” e “moral” regredirem.
As crianças,
naquele tempo, brincavam juntas ao invés de isolarem-se diante de um
computador. Lia-se um bom livro, ao invés de assistir novelas e programas
indecorosos. Pais e filhos conversavam, conviviam ao invés de
individualizarem-se, cada um em seu “mundo virtual”.
Pra sermos até
um tanto radicais, nossos entrevistados afirmam que viveriam muito bem, se não
existisse a iluminação elétrica, mesmo nos dias de hoje. E eles vão além:
afirmam que as pessoas tornaram-se dependentes da energia, e viciadas em TV,
computador e internet.
Resume-se que a
iluminação trouxe à tona a essência da palavra ambigüidade e, nos revela duas
facetas de uma mesma moeda. De um lado, os incontáveis e incontestáveis
benefícios de ter a energia elétrica e a iluminação à nosso dispor e, de outro,
as marcas que essa modernidade, se não usada com equilíbrio e sabedoria, pode
deixar em nossos relacionamentos e nas vidas das gerações vindouras.